O Anão e a mexerica

Estamos no Mês do Folclore… então pensei numa das lendas da minha mãe, que tem um repertório incrível de causos e ditos.

Pois bem. E o que o anão tem a ver com a mexerica?

Foi na minha infância que nasceu esta conexão com a deliciosa Citrus reticulata. Ah esse é nome oficial da fruta!

Descascar a mexerica pode parecer algo muito fácil para quem tem a habilidade de ir tirando a casca sem ferir os gomos que compõem a fruta. Mas não para as pequenas mãos de uma criança. Certamente, ao cravar as unhas na casa para retirá-la, os gomos sofram arranhões.

E que bom quando aparece “gente grande” para tirar a casca e a criança saborear cada gomo.

Em casa, era sempre minha mãe a “gente grande” que nos auxiliava nessa tarefa. Mas o legal de tudo não era só o fato da minha mãe descascar a mexerica com tanta habilidade. Mas o enredo que envolvia todo esse processo.

Sempre que pegava as mexericas ia para o quintal, e a criançada sentava ao redor enquanto aguardava, com água na boca, a entrega das frutas descascadas.

No quintal, contornado por uma cerca viva de cosmos, aquelas coloridas flores de campo, havia um portão, sustentado por dois mourões de madeiras envolvidos em arame farpado. E era ali, naquele arame, que brotava nossa imaginação.

Assim que uma das crianças pegava a mexerica descascada, começava uma divertida busca pelo gomo “mindinho”, aquele que, por “defeito”, é bem menor em comparação aos demais gomos da fruta. Que alegria quando, ao ir chupando gomo por gomo, a gente se deparava com o misterioso gominho. Com os olhos brilhantes de curiosidade, as crianças ouviam atentas a mãe dizer:

Não chupe o gominho, pois esse é para o anãozinho. Ele passeia toda noite em busca de gominhos de mexerica. Por isso , pegue o gominho e leve até o portão e espete no arame farpado, cuidadosamente, para não sair todo o sumo. Deixe lá, que à noite o anãozinho vem à procura do gominho. No dia seguinte, se o gominho estiver seco é porque o anãozinho veio.

Depois de ouvir isto, claro que a gente corria com o gominho para fixa-lo no portão e viver a expectativa da visita do anãozinho. E aí a gente questionava que horas da noite o tal anãozinho viria, mas a minha mãe mantinha o mistério.

Não adianta vigiar, pois ele vem sempre na hora que estão todos dormindo, ninguém consegue ver.

E, embora algumas vezes, em certas horas da noite, a criançada desse uma espiada no portão, nunca o anãozinho foi visto. Mas o gominho sempre amanhecia seco, óbvio.

Muitos anos depois, enquanto pegava uma mexerica na fruteira, perguntei à minha mãe: – De onde você tirou aquela história do anãozinho? Ela me respondeu sem hesitar:

Sei lá! Eu precisava inventar umas histórias para vocês me darem sossego e aí inventei isso!

E, juntas, caímos na gargalhada.