Pixaim é bonito, sim!

Dia desses, conectada a uma rádio FM que só toca música nacional, ouvia “Implicante” (com a cantora e compositora Ana Carolina), cujo refrão tem este questionamento: “De que vale seu cabelo liso e as ideias enroladas dentro da sua cabeça?” E não é que a questão desencadeou em mim algumas reflexões.
Primeiro lembrei que tenho o CD com a referida música. Foi presente de um sobrinho/afilhado que costumava me presentear com CDs, antes do MP3 e do streaming. Então fui até o armário, onde guardo os CDs e peguei o da Ana Carolina. No notebook, selecionei a faixa “Implicante” e, naquele dia ouvi por muitas vezes, enquanto minha cabeça era bombardeada por memórias sobre cabelos.
Especificamente, sobre os mais variados estilos de cabelo afro que circulam com tanta naturalidade e beleza, coisa que não ocorria até pouco tempo. E, consequentemente, sobre o sofrimento das mulheres que tiveram de se submeter a químicas agressivas para que o cabelo ficasse liso. E o pior, nem todas tiveram a sorte de ter um resultado, no mínimo, próximo do esperado. Algumas perderam, inclusive, a vida no procedimento.
Lembrei-me que outro dia, ao entrar numa loja de cosméticos para comprar lixa para unhas, ouço trecho da conversa entre vendedora e cliente. Cliente: – Ah, mas você tem cabelo bom!
Vendedora: – Não, não… ele não é assim, faço chapinha. Eu também tenho cabelo ruim.
Cliente: – Mas o meu nem chapinha resolve. Preciso de um creme que alise pra valer. Meu cabelo é ruim mesmo.
Penso comigo: mas que raio é esse de cabelo bom ou cabelo ruim? Por que um cabelo encaracolado ou pixaim não pode ser bonito, não pode ser bom?
A conversa mostra que ainda há muitas pessoas reféns de valores enraizados em uma herança colonial racista, que perpetuou o conceito de que cabelo encaracolado, pixaim ou carapinha é sinal de feiura, desleixo. E para reforçar o preconceito contra o cabelo afro surgiu a absurda definição “cabelo ruim”, usada no sentido de denominar o contrário do “cabelo bom” (o liso).
Hoje, essa resistência ao cabelo afro está menor. Muitas pessoas estão assumindo sua cabeleira natural e mostrando que aceitação também propicia a desconstrução de padrões de beleza estabelecidos a partir de uma cultura que não valoriza e nem respeita a diversidade étnica.
No entanto, ainda há muito preconceito e racismo. Até porque, infelizmente, na maioria das vezes, a obsessão por um cabelo liso não é apenas vaidade (o que é mais do que aceitável), mas um desejo preso a um olhar colonial, em que a característica do negro é sempre vista como algo feio, inferior, ruim.
Todavia o cabelo afro também é bonito e pode andar solto, armado ou amarrado por aí, assim como todos os outros tipos de cabelos; liso, ondulado, cacheado… Porque, como diz a música, “o que importa não é o cabelo mas as ideias enroladas dentro de nossas cabeças.”

Nota: A ilustração é parte da série de pinturas Odara, do baiano Muha Bazila, que tem como objetivo valorizar e celebrar a beleza de mulheres negras.