No trote das meninas

A Vila Garcia é uma localidade de Jacareí (SP) conhecida por ter como a maior parte de seus moradores migrantes de Minas Gerais, que começaram a vir para a cidade nas décadas de 1950, durante a instalação de uma antiga fábrica de celulose, que passou por outras denominações e hoje opera com outro nome. Pois bem, dada a introdução, sigo para a narrativa de um fato bem inusitado que me chamou a atenção enquanto caminhava pela Vila, numa quinta-feira, 8 dezembro de 2022, dois dias antes da partida de Brasil X Croácia.

Havia acabado de sair de um ponto comercial e, como estava a pé, pensei primeiro em pegar um ônibus para me levar até o bairro onde moro, que fica distante 10 quilômetros, mas lembrei de um sobrinho que trabalha próximo à Vila e pedi uma carona. Ele combinou de me pegar por volta das 17h30. Conferi as horas no celular: eram 16h25. Se pegasse o ônibus, chegaria em casa cerca de 25 minutos. Preferi esperar pela carona. Afinal era uma oportunidade de caminhar mais pelas ruas do pequeno vilarejo até a portaria da empresa onde meu sobrinho trabalha.

Calculei o trajeto: levaria menos de 20 minutos de caminhada. Então poderia caminhar tranquilamente. Segui por uma avenida, ladeada por casas de um lado e do outro por um canteiro de árvores que demonstravam, pela sua estrutura, que já estavam ali há muitos anos. No canteiro haviam alguns bancos de concreto, aqueles próprios para praças e jardins, e todos com pessoas sentadas. Achei interessante, porque aquela tarde quente era um convite para se refrescar embaixo de uma boa sombra. Só lamentei porque não encontrei nenhum lugar vago para eu também desfrutar daquele frescor natural.

Segui caminhando pela calçada que margeava o canteiro, e avistei um mercadinho. Lembrei que as bananas da fruteira de casa (a gente gosta muito desta fruta) haviam acabado e decidi ir ao estabelecimento. Quem sabe encontraria bananas ali… Logo na calçada do mercadinho, abaixo de uma grande vidraça, havia algumas frutas expostas, mas nenhuma banana. Decidi entrar.

O local era bem organizado. Três caixas logo na entrada, três corredores com gôndolas e uma rampa que, ao subir, vi que dava acesso ao açougue e mais um andar, com outras opções de produtos. E ali encontrei bananas prata e nanica, bem graúdas. Escolhi uma dúzia de banana prata (embora a venda seja por quilo). R$6,99 o quilo. Nem caro nem barato em comparação com os outros supermercados que frequento.

Para pagar a conta, eu precisei entrar numa pequena fila. Havia duas clientes à minha frente: uma muito jovem, que aparentava uns 15 anos, e uma senhora bastante falante, que já puxou assunto comigo sobre o próximo jogo da seleção. _Quanto será para o Brasil? No outro ganhou de goleada, achei até chato , disse se referindo aos 4X1 contra Sérvia. Eu apenas sorri de forma simpática, mas estava atenta a outros acontecimentos.

Enquanto aguardava na fila, lancei o olhar através da mesma vidraça que observei quando cheguei ali. Mas algo havia mudado na paisagem. Avistei duas cabeças de cavalos. Não dava para ver totalmente os dois animais, apenas as cabeças, na posição em que eu me encontrava. Mas notei que um era menor que o outro. Talvez mãe e filhote, ou pai e filhote…

Enquanto a senhora continuava a falar sem parar, eu pensava comigo: de quem seriam aqueles cavalos? Voltei meu olhar para a moça do caixa, o único que funcionava naquele momento. A jovem estava passando suas compras: três pacotes de pão de forma, cheiro verde, dois vidros de maionese e alguns refrigerantes. A senhora que não parava de tagarelar, percebeu que eu estava observando a compra da garota e gracejou, dirigindo-se à menina: _Vai ter bolo salgado hoje, hein? A jovem cliente também lhe devolveu um sorriso simpático e se concentrou no pagamento de suas compras.

Eu também tinha dúvidas, mas não sobre qual cardápio resultaria aqueles produtos, mas como a menina iria acomodar tudo aquilo na mochila preta de couro sintético, que usava.

Enfim, ela não colocou nada na mochila, mas nas sacolinhas de plástico ofertadas pelo supermercado, e saiu. Eu paguei minhas bananas e saí também. Mas ao pisar na calçada, olhei a menina.

Ela estava sentada no chão, em frente aos cavalos, organizando suas compras na mochila (embora eu continuasse a achar que não seria possível colocar tudo ali). Ao seu lado, estava outra garotinha, de uns 10 anos. Concluí que os cavalos eram o meio de transporte das duas. Segui com minhas bananas por aquelas ruas frescas da Vila.

Após caminhar alguns minutos acessei uma outra avenida que me levaria até o local onde havia combinado para pegar a carona. A avenida fica entre uma pequena planície, acima cortada por uma linha férrea, onde passa trem de carga, e do outro, uma mata ciliar às margens de trecho do Rio Paraíba do Sul.

Passados menos de 10 minutos, após sair do mercadinho, e admirando a vegetação que compõe a mata ciliar, ouço trotes e me viro para olhar. Vejo então as duas garotas cavalgando. Os animais passam de forma elegante por mim, como se estivessem participando de um desfile.

A garota mais jovem, montava o animal pequeno. Já a outra, no cavalo maior, tinha às costas a mochila preta, que parecia volumosa e até pesada, e em sua frente, sobre a cela, levava mais duas sacolas sustentadas por uma das mãos, enquanto na outra conduzia, com habilidade, o cavalo.

Em poucos minutos as perco de vista. Seguem em sentido contrário ao meu. Enquanto busco a saída da Vila sentido à rodovia que liga a região ao Centro, elas cavalgam em direção a uma área rural. A cena bucólica me coloca a par de uma realidade diferente da que estou acostumada a ver, onde as ruas são dominadas por veículos automotores. E admiro as meninas, talvez, porque nunca fui boa para cavalgar, e se eu precisasse fazer compras a cavalo, literalmente, estaria na roça.