O presente de Dona Neusa

Ainda faltavam algumas semanas para o início do ano letivo, mas ela já estava de volta de uma viagem. Os amigos da rua, animados com o seu retorno, já haviam programado muitas brincadeiras. Era preciso aproveitar ao máximo o restante das férias. Logo começariam as aulas.

Mas antes que se juntasse à turminha para decidir qual seria brincadeira daquele dia, uma colega a chamou de lado e disse: – A professora dona Neusa procurou por você. Ela queria lhe dar um presente. 

Os olhos se encheram de curiosidade e o interesse pela brincadeira desapareceu por momentos.

– Presente? Você viu o que era? – Questionou, enquanto imaginava mil opções de brinquedos.

– Parece um livro, mas ela lhe entregará quando começarem as aulas – respondeu a garota.

– Livro! Exclamou, sem esconder a decepção, e retornou à brincadeira.

De volta para casa, a notícia que a professora havia lhe comprado um presente, continuou a povoar sua mente. – Mas seria mesmo um livro? Tomara que não, – refletiu. E a curiosidade em descobrir o que seria o tal presente durou até o fim das férias.

O primeiro dia de aula chegou carregado de expectativas, não pelo reencontro com os colegas, mas também porque poderia finalmente receber o presente.

Assim que o portão da escola se abriu, uma pequena multidão de crianças, em meio a pais e professores, seguiu para o pátio. Enquanto a diretora organizava as turmas para cada classe, no meio de toda aquela celeuma, alguém grita seu nome. A aluna avista Dona Neusa com o braço levantado, acenando com um presente, enquanto nas outras mãos carregava sua pasta e materiais escolares. E no meio de toda aquela gente, aluna e professora caminham com dificuldade para, em poucos minutos, encontrarem-se. Ela recebeu o esperado presente, acompanhado de um abraço caloroso. Despediram-se. Dona Neusa não daria mais aula naquela escola.

Era um belo embrulho. Mas a menina preferiu não conferir naquele momento. Sim, ela só iria desembrulhar tudo quando estivesse em casa.

A caminhada de 15 minutos que fazia até a sua casa era sempre na companhia dos colegas. Mas naquele dia saiu rápida, ansiosa para chegar à casa e abrir o presente. E assim o fez.

Ao entrar, cumprimentou a mãe e a chamou para ver a novidade. O presente era de fato um livro. A mãe gostou e a garota também. Foram almoçar, mas a criança mal mexeu na comida. Ainda vestindo o uniforme, entrou no quarto, jogou-se na cama e se debruçou sobre o livro. Contemplou a capa amarela com letras grandes e pretas, onde se lia: “As mais belas histórias”.

Pela primeira vez, a menina devorava as páginas de um livro.

Aluna e professora não se encontrariam mais. No entanto, a menina nunca mais perdeu o hábito de procurar uma brecha para a leitura. E foram incontáveis livros que ela, enquanto menina e depois já adulta, devorou no silêncio do seu quarto e em tantos outros lugares.